“Naquele tempo contava apenas uns quinze ou
dezesseis anos; e era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e,
com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a
primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é
romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às
sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma
sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, sala das mãos da natureza,
cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro
indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era
clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos
misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, - devoção, ou talvez medo;
creio que medo. (…) Tu que me lês, se ainda fores viva, quando estas
páginas vierem à luz, - tu que me lês, Virgília amada, não reparas na
diferença entre a linguagem de hoje e a que primeiro empreguei quando te
vi?”
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Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas) |